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terça-feira, 10 de junho de 2014

Quando eu era criança, mais ou menos na 4ª série, mergulhava fundo nos livros de literatura que lia na escola. Às vezes ficava nostálgico, meio atônito até, e saía sozinho no recreio, pensando no homem célebre do M. de Assis, ou na gravidade dos propósitos subjetivos de qualquer outro personagem. Uma criança prodígio pra uma que outra professora, ou completamente neurótica, para muitas. Sair do livro para a rua trazia o embate com a luz aparentemente excessiva, os bancos e uniformes padronizadamente pintados no pátio do recreio, a banalidade dos gritos e correria das crianças brincando, as mesmas brincadeiras e ofensas de sempre. Não gostava do mundo real porque ele não parecia tão íntimo, tão sincero. Tinha raiva primeiro do sol, depois dos corpos se cruzando, depois dos sorrisos e gritinhos, mas o que me desmontava mesmo era no final ver um grupo de 5 ou 6 crianças reunidas pra ver o brinquedo que cada uma tinha pego no kinder-ovo, ou os "tazzos" que tinham vindo com os salgadinhos, ou os novos ioiôs da coca-cola, cada um em épocas diferentes, conforme a moda do momento. Me desmontava porque sentia raiva de ser brasileiro, mas de um forma particular que ainda não sabia lidar. Eu vinha de Caxias do Sul, e tinha toda a umidade e neblina possível nos meus olhos, nas minhas veias, mesmo que tivesse chegado em Porto Alegre com 3 anos. Tinha um caráter contemplativo vinculado à terra do qual mais tarde só encontraria explicações de poetas, na astrologia ou na cosmo-visão indígena. Combinado com a dificuldade de se relacionar e o já crescente comportamento notívago daquela época, isso me dava uma boa dose de intolerância a ruídos, conversas dispersas, atividades em grupos demasiado grandes, generalizações e superficialidades em geral. Era um criança problemática, mas, ao mesmo tempo, e de uma forma natural, tudo para mim era mais íntimo, grave, silencioso. Intuía de forma controversa e revoltada a selvageria do capitalismo adentrando as cabecinhas da escola onde eu estudava, e a nossa capacidade de se prender às superficialidades do consumismo, como algo diretamente relacionado a nossa deficiência cultural como país de 3º mundo. Eram certezas que se afirmavam na soma do temperamento e de um misto dos discursos de meu pai, das coisas que lia, e de uma certa memória subliminar sobre outras terras e tempos, que eu não sabia entender mas sabia sentir, e que me traziam certezas incontestáveis, formando uma certa força de caráter que muito prezava, mas que frequentemente me colocava em posturas anti-sociais, me desentendendo com os grupos sem entender bem porquê. Tinha muito medo de não ser aceito em minhas diferenças, e, ali, de repente, em meios aos tazzos e ioiôs, ante à gravidade trágica da cena na forma como se apresentava aos meus olhos, eu sentia muito medo. Afinal, de qualquer forma, para mim ainda era preciso bastante esforço pra me abster daquelas coisas, e, no meio daquilo, sentindo raiva, exclusão e medo, eu quase sucumbia, quase ficava, e era como se fosse mais um...

Hoje, bem mais apaziguado e bem menos obsessivo, parei de ser tão rabugento e adoro a luz da manhã, mas frequentemente tenho a mesma sensação, quando ouço falar em mercado, graduação, "amor livre" e poligamia: cada um com seu ioiô de cor nova por um ou dois dias, conforme nossa dispersão, e conforme nos vendem os de lá. Uma dispersão que infesta calçadas de lixo, cerveja, vômito e mijo, que faz da aparência física e o posto profissional uma luta obrigatória, onde todos lutamos para ser mais aceitos, mais admirados nos grupos, e quem quer que não participe dessa mentalidade será silenciosamente excluído, da roda, do sol e do pátio do colégio...

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