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Un Pedazo de España en mi
Tinha um sentimento quente, de uma intimidade tão sincera,mais íntimo que todas minhas initimidades desde nascença. Uma certa coloração rubra, um sentimento de paixão e romance, de valor e prazer de ser. Então eu me deixava ir, cada vez mais fundo, sentindo cada vez mais no peito aquela coisa indefinível, pescando do fundo da consciencia aquilo que nunca chega à superfície, chamando, sentindo, até entrar em estado de vigília, já ainda mais perto, quase dormindo, até dormir...
Agora eu estava em uma casa antiga, de teto de madeira e piso de lajes vermelhas. Estava na ponto de um cômodo, com uma porta à direita e outra à esquerda. Entro à direita e ali estão algumas poltronas e sofás grandes, com pessoas sentadas. Uma senhora ora translúcida, ora de novo à luz mas de forma diferente ou misturada, ora indistinguível; uma outra de pé, uma terceira no canto do sofá mais largo, com um daqueles macaquinhos amestrados em seu colo, de chapéu e acorrentado pelo punho. Sei lá de que cultura era ela, ou como haveria de ter aparecido ali. Por um instante era translúcida de novo, e voltava com outra fisionomia, e desvoltava e de novo com o macaquinho. Estava ali sentada, sem saber de estar, uma mescla de várias personalidades etéricas de dimensões diferentes, ora invadindo aquela, ora compatilhando-a com outras. Enfim, uma forma difusa de espírito dormente que, à merce de suas oscilações emocionais, se vinculava a um ou outro passado, interconectando dimensões. Ninguém ali parecia estar consciente, eram sonhos sonhados por outros. Comecei a pensar se não era o único fantasma consciente dentre os que estavam ali. Uma moça passou pelo corredor e me dissea lgo que não reparei. Parecia mais consciente, mas sei lá, enfim, tantos níveis de consciência ou semi-inconsciência, exatamente da forma como sonhamos nossos sonhos perambulantes de outras cidades, outros lugares, outros tempos, sem lembrá-los ou lembrando parcialmente. Mas achei mesmo que só eu estava atento ali, e, pensando em aproveitar, redescobrir, tive um estalo.
Desde o início tinha uma certeza insondável de que estava na Espanha, e de que conhecia aquela casa. Pois sim, era adentrar a porta da direita e encontrar o jardim, depois saltar a mureta do jardim do vizinho. As portas de madeira avermelhada, a terra vermelha, as telhas, as muretas, toda essa vermelhidão de bairro em montanha embarrada que é a própria identidade da bailaora de saia e rosa rubras, tudo tão familiar, tudo tão meu, tudo me fazendo vibrar ainda mais. Saio pela porta então, adentro o terreno do vizinho, uma jardim extenso até o fim do terreno, tão cohecido, tão querido, e então agora minha certeza era total, sabia onde estava e pra onde ía. Fui caminhando, rápido, e de repente lembro que nem preciso caminhar, que posso só ir, e era até engraçado ver meus pés desajeitados se arrastarem pela grama, enquanto flutuava até encontrar o muro final. No fim do terreno, do outro lado da mureta, uma queda de uns 5 metros no barro. Sem dúvida, sem medo, sabendo onde estava e o que era, me atirei. Engraçado cair com menos gravidade, sem a dor do corpo, talvez apenas um desconforto incomum. Estabanado, caí de peito, e levantei. Ali estava a lembrança de séculos a fio, pulsando dentro de mim: o fim dos muros do bairro rico, apenas uma extensão de barro, cortada por um rio miúdo, mas de um verde surpreendente, meio esmeraldado, do outro lado mais barro, uma vila de casinhas de madeira marrom, meio embarradas, meio envermelhadas de vermelho/madeira, na encosta de uma grande montanha, linda, feita de pedras e terra vermelha, de onde corre o riacho verde. Terra, montanha e umidade tudo meio misturado, nas casinhas de madeira encravadas na montanha. Aquela paisagem tão ampla e tão colorida, tão sem muros e lugares fechados. Soube porque aquilo me era tão importante, porque sabia o caminho de cor até aquele lugar de barro avermelhado que mais parecia minha própria pele, meus próprios gostos, meus próprios vislumbres e minhas próprias verdades. Lembrei o amor puro à terra de um sujeito inocente, que foge das casas de elite onde provavelmente teria se criado, e que sabe sentir na terra como no sangue a essência da personalidade do ser-humano local.
Já desperto, aqui de novo, em Porto Alegre, na beira da janela de um dia outonal, griz-asulado, nosso tropical azul celeste, húmido e leve como os ares daqui, sinto-me agradecido pela viagem, imensamente aliviado por ter saciado aquela saudades de séculos, de rever, de re-ser, e finalmente compreendendo uma memória de infância: morando em um edifício de Caxias do Sul, nosso andar era o único com área para rua. Eu tinha só 3 anos, e, no muro final desta área, na divisa do terreno do edifício, enxergava duas chaminés daquelas antigas, com bocal, e que parecem até um rosto de chapéu. Uma memória das casas de outros tempos. Eu sempre pensava ver o que estava do outro lado, reconstruindo memórias inexistentes, sentindo-me em casa pela possibilidade de proximidade de um mundo outro, que não este meu, mas que existia em mim, desde um apartamento em caxias. Quando minha mãe não estava por perto, trepava no muro e olhava lá embaixo: uma vila enorme, de ruazinhas estreitas, casinhas de madeira de dois, três andares, e madeira úmida marrom. Aquilo tinha o fascínio do meu mundo a parte, indistinguível pra mim mesmo, imenso, um mundo que eu precisava existir, que me completava, de forma que só me bastava olhar uns poucos telhados para ficar com aquela impressão por dias, crescendo em detalhes e informações, povoando devaneios e sonhos. Era uma porta pra um outro tempo, pra um tempo antigo, e que, agora, depois de sonhar, eu sabia exatamente qual era...
JZ
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