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quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Dois Caminhos para Eu e Ele


Ele é muito simpático, não posso negar. Possui um corpo saudável, pele clara, cabelos castanhos e fartos, meio narigudo e de estatura média. Ele se relaciona com o meio, o mundo que o cerca, e sua mente é ágil nesse sentido. Possui uma forma própria de falar, de andar, e de pensar que são o resultado da mescla das diversas informações que compõem sua psiquê. Parecem haver traços genéticos, enquanto outros são resultado da geografia onde vive e principalmente das pessoas, livros, e imagens que lhe foram expostas desde o início de sua vida, mas ainda esses mesmos traços se relacionam entre si.
Eu estou cá dentro dele, olhando-o com atenção para que, identificando tudo o que ele é, seja melhor Eu mesmo... livre de seus hábitos repetitivos.

Houve um tempo em que ele recusava abrir-se. Tinha medo de morrer, pois tanto ele não sabia que Eu é quem sou a sua pulsão de vida quanto eu não me lembrava disso. Vivíamos meio que misturados, como criaturas siamesas disformemente unidas. Assim, irreconhecíveis um ao outro, éramos um só pensamento conflituoso... mistura inconsciente de luz e carne. Eu tentava ser Eu através das coisas que ele via no mundo, e ambos sofríamos por Eu não conseguir me libertar de sua mecânica biológica, de sua forma de pensar. Eu era parasitado por ele... mas já agora não. Cada vez mais me liberto e domino esse "veículo" de corpo e mente.
Quanto mais definida é a distinção entre Eu a luz, e ele a carne, mais livre sou. Assim sou capaz de coexistir com sua rotina, amigos e amores mas sem me confundir com sua mecânica. Posso ser Eu enquanto ele toma um suco de uva, ou estuda violão, ou revê a menina que ama. Não mais nos conflituamos e eu sou livre para ser enquanto ele segue sua vida humana. A cura está cada vez mais estabelecida.

Aqui portanto eu distinguo dois caminhos:
O primeiro é ter uma vida feliz e simples. Ele será capaz de ver o belo desse mundo e desfrutar de tudo o que o cerca, as coisas simples da vida. Amores, um emprego apreciado, cursos, viajens, amigos e lazer. Uma vida humana invejável aos anjos. É certo, Eu e ele poderíamos coexistir dessa forma sem que eu aí me confundisse. Seguiria pulsando.
O segundo caminho é o caminho de ascenção. Sendo livre dos hábitos dele posso também mudá-los. Posso reinventá-los a cada dia de forma a transitar entre os mais diversos territórios mentais, linguísticos, do mundo que me cerca. Posso querer espalhar essa minha liberdade fazendo com que ele lute pra que outros saibam o que Eu sei mesmo consciente de que essa luta muitas vezes é hostil; pois Eu mesmo em minhas caminhadas, enquanto confundia minhas pernas com as dele, senti-me morrer dia após dia em porções incalculáveis de angústia. É cara a liberdade, e uma vez incitadas a esse processo de mudança as pessoas passarão pela mesma angústia que certamente buscará vias de expressão. É violenta essa mudança, e gerando-a em outros estarei propenso a estilhaços. Em certos momentos serei parecido àquele pregador ao qual quiseram pregar? Serei um reveledor do Bem que é temido? Um espelho para se cuspir? Não necessariamente, mas existem riscos.

Dois caminhos. Mas o primeiro é espera, é caminho no tempo. O segundo, esse sim, é o caminho onde Eu pulso e faço um percurso atemporal muito mais real do que a realidade mundana.

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